segunda-feira, 4 de março de 2013

Os comunistas

Na passagem dos 92 anos, da fundação do Partido Comunista Português, deixo este poema de Pablo Neruda, dedicado a todos os Comunistas que não se rendem






Pablo Neruda







Passaram-se alguns anos desde que ingressei no Partido

Estou contente
Os comunistas formam uma boa família
Têm a pele curtida e o coração moderado 


Por toda parte recebem cassetetes 

Cassetetes exclusivos para eles

Vivam os espíritas, os monarquistas, os anormais, os criminosos de todas as espécies
Viva a filosofia com muita fumaça e pouco fogo
Viva o cão que ladra mais não morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o
cinismo, viva o camarão, viva todo mundo, menos os comunistas
Vivam os cintos de castidade, viam os conservadores que não lavam o pé a quinhentos anos 

Vivam os piolhos das populações de miseráveis, viva a fossa comum e gratuita, viva o anarcocapitalismo,
viva Rilke, viva André Guide com seu corydonzinho, viva qualquer misticismo 


Esta tudo bem
Todos são heróicos

Todos os jornais devem sair
Todos devem ser publicados, menos os comunistas

Todos os candidatos devem entrar em São Domingos sem algemas
Todos devem celebrar a morte do sanguinário de Trujillo, menos os que mais duramente o
combateram

Viva o Carnaval, os últimos dias de carnaval
Há disfarces para todos 

Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema esquerda, disfarces de damas beneficentes e
de matronas caritativas

Mas cuidado: Não deixem entrar os comunistas
Fechem bem a porta 

Não se enganem
Eles não têm direito a nada
Preocupemos-nos com o subjetivo, com a essência do homem, com a essência da essência
Assim estaremos todos contentes

Temos liberdade
Que grande coisa é a liberdade!
Eles não a respeitam,
Não a conhecem 


A liberdade para se preocupar com a essência
Com a essência da essência
Assim tem passados os últimos anos

Passou o Jazz,
Chegou o Soul, naufragamos nos postulados da pintura abstrata, a guerra nos abalou e nos matou 

Tudo ficava como está
Ou não ficava?
Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas pauladas na cabeça, alguma coisa ia mal
Muito mal 


Os cálculos tinham falhado
Os povos se organizavam
Continuavam as guerrilhas e as greves
Cuba e Chile se tornavam independentes

Muitos homens e mulheres cantavam a Internacional
Que estranho
Que desanimador
Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América

É preciso tomar medidas urgentes
É preciso bani-lo
É preciso falar mais do espírito
Exaltar mais o mundo livre
É preciso dar mais pauladas e o medo de Germán Arciniegas

E agora Cuba
Em nosso próprio hemisfério, na metade de nossa maça, esses barbudos com a mesma canção

E para que nos serve Cristo?
Para que servem os padres?
Já não se pode confiar em ninguém
Nem mesmo os padres. Não vêem nosso ponto de vista

Não vêem como baixam nossas ações na bolsa

Enquanto isso sobem os homens pelo sistema solar

Deixam pegadas de sapatos na lua
Tudo luta por mudanças, menos os velhos sistemas

A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranhas medievais

No entanto, há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem

feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança

Caramba!


A primavera é inexorável!

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