domingo, 24 de novembro de 2013

O Oportunismo na Estrada do Comunismo



Os trabalhadores e os povos de todo o mundo têm direito a uma sociedade livre da exploração e da opressão. Essa sociedade só será construída pelas suas próprias mãos, pela sua luta organizada e criadora. E essa luta só irá tão longe quanto é necessário se tiver no seu cerne fortes organizações revolucionárias de classe: os partidos comunistas. A reflexão acerca dos factores que dificultam, atrasam e desviam dos seus objectivos essenciais a existência e a acção dos partidos comunistas é nos dias de hoje uma tarefa de primeiro plano.







O quarto número da Revista Comunista Internacional - editada por órgãos teóricos de onze partidos revolucionários - é um valioso contributo para a compreensão das ameaças e problemas que afetam hoje a nível mundial a luta dos partidos comunistas.

O tema central da maioria dos artigos desta edição é a análise do oportunismo e do seu significado politico-ideológico. Nas últimas décadas o seu papel na social-democratização de partidos comunistas que abandonaram o marxismo-leninismo foi decisivo.

No ensaio de abertura da revista, Herwig Lerouge, do Partido do Trabalho da Bélgica, chama a atenção para as consequências nefastas da acção do Partido da Esquerda Europeia – PEE na anestesia, mais exatamente na neutralização, da combatividade de amplos sectores da classe operária em países da União Europeia. O Partido Comunista Francês-PCF e a Rifondazione Comunista Italiana-PRC (criada após a transformação do PCI num partido social-democrata) sustentam que é possível chegar- se ao socialismo pela via parlamentar. Fausto Bertinotti, que foi presidente do PEE, retomou velhas teses de Edward Bernstein ao afirmar que «o movimento dos movimentos» poderá ser o motor da caminhada para o socialismo.

O Die Linke, o Partido da Esquerda Alemã - que resultou da junção do PDS da ex-RDA com o WASG dos dissidentes do SPD da Alemanha Ocidental - adepto dessa tese, fez grandes promessas aos trabalhadores mas, após alguns êxitos iniciais, não as cumpriu e entrou em rápido declínio. Na década em que foi co-governo da cidade de Berlim com o SPD tornou-se cúmplice na privatização de mais de 100 000 apartamentos sociais, fechou creches, cortou indemnizações, privatizou transportes públicos.

Os fatos demonstram que a participação de partidos comunistas (ou ex-comunistas) em governos socialistas não trava as privatizações. O governo da gauche plurielle em França privatizou, aliás com o apoio do PCF, mais empresas do que as privatizadas durante os governos de Baladour e Juppé, ambos primeiros-ministros da direita.

Atualmente, o socialista François Hollande não hesita em assumir mais abertamente do que o próprio Obama a defesa de agressões militares imperialistas. No ataque à Líbia e no caso da Siria,por exemplo.

Na Grécia, o Syriza - amálgama de ex.trotskistas, de ex-maoístas e de trânsfugas do KKE - abandonou todas as referências ao marxismo e abstem-se de responsabilizar o capitalismo pela atual crise mundial que define como consequência de erros do neoliberalismo. No seu ambíguo programa promete revogar as medidas mais duras impostas pela troika, mas as suas propostas inserem-se num projeto de compromissos com a burguesia e o imperialismo. Nada que atinja os banqueiros e a estrutura repressiva das forças armadas. Não se opõe também à permanência da Grécia na NATO.

Na sua lucida intervenção no XV Encontro de Partidos Comunistas e Operários em Lisboa, Giorgos Marinos, do KKE, tirou a máscara ao partido de Alexis Tsipras.

«A verdade - disse – é que o Syriza como formação oportunista que se desenvolveu num dos pilares da social-democracia é apoiado por setores da classe burguesa, é um defensor do capitalismo e da União Europeia. É um partido que elogiou a linha política de Obama como progressista e promoveu o mito de que um novo vento soprava na Europa para os trabalhadores com a eleição de Hollande».

Julgo útil lembrar que o Bloco de Esquerda-BE é em Portugal (com o Partido Socialista) um defensor entusiasta da estratégia do Syriza. Francisco Louçã, seu ex-coordenador, participou mesmo em Atenas num comício do partido de Alexis Tsipras. Tal como o seu aliado, o BE, nascido da fusão da UDP, maoista, com o PSR trotskista, também se abstém hoje de referências ao marxismo.


A METAMORFOSE DO PARTIDO COMUNISTA DE ESPANHA


Importante é também o artigo na Revista Comunista de Raul Martinez e Astor Garcia, dirigentes do Partido Comunista de los Pueblos de Espana-PCPE.

Recordam que o Partido da Esquerda Europeia – PEE foi concebido para funcionar como «polo oportunista de dimensão continental e força para a colaboração de classes no âmbito da União Europeia».

Tem cumprido bem esse papel. Em l976, em Berlim Ocidental, os Partidos Comunistas de Espanha, França e Itália aderiram a uma plataforma eurocomunista «na qual – sublinham - tinha um papel determinante o apoio ao processo de formação de uma união interimperialista europeia».

E no seu IX Congresso, em l978,o PCE decidiu romper com o marxismo-leninismo e adotar o eurocomunismo como a sua ideologia.

Em l988, no XII Congresso, Julio Anguita, então secretário-geral, definiu com transparência o rumo do PCE: «É portanto necessária uma transformação da Comunidade Europeia. Para a realizar apostamos na construção de amplas alianças, a partir do movimento operário e outras forças sociais do progresso, sustentadas no terreno político pela convergência de partidos comunistas, socialistas, social-democratas, trabalhistas e verdes»

É transparente a apologia de uma estratégia incompatível com o marxismo.

Hoje, num contexto histórico diferente, cabe ao Partido da Esquerda Europeia, herdeiro do revisionismo, ser o executor dessa estratégia que privilegia a função dos parlamentos, e renuncia à luta de classes

Na prática, as «amplas frentes de esquerda» preconizadas pelo PEE conduzem a uma aliança com a burguesia que subalterniza os partidos comunistas e faz deles instrumentos de uma política reformista que nega a sua função revolucionária.

A União Europeia ideada pelo PEE seria – cito novamente Raul Martinez e Garcia - “a negação de tudo o que se relaciona com a construção do socialismo, com recusa total das tradições revolucionárias, em contradição frontal com o socialismo científico, a luta de classes e a revolução socialista».

Robert Hue, ex-secretário do PCF, desceu à baixeza de afirmar que tudo na União Soviética foi negativo.


A OBRA DEVASTADORA DO OPORTUNISMO NOS PARTIDOS COMUNISTAS DA AMÉRICA


Sob o título «Alguns traços do oportunismo na América», Pavel Blanco Cabrera, primeiro secretário do Partido Comunista do México, e Hector Colío Galindo, também dirigente do PCM, apresentam, também no último número da Revista Comunista Internacional, uma reflexão abrangente sobre as consequências devastadoras da ação do oportunismo, do reformismo e do revisionismo nos partidos comunistas da América.

Afirmando que a ausência de uma frente ideológica contra o oportunismo configura uma ameaça para os partidos comunistas, evocam a destruidora herança do browderismo na América Latina.

As teses de Earl Browder, um precursor do eurocomunismo, contribuíram nos anos 40 do século passado para a neutralização de muitos partidos comunistas da América Latina.

Deixaram aliás sementes. Hoje, Sam Web, o presidente do PC dos Estados Unidos, defende a sua transformação numa organização inofensiva, quase uma força auxiliar do Partido Democrata, uma espécie de «clube ideológico».

A chamada latino-americanizaçao do marxismo - cito Pavel e Hector - «tem muito em comum com operações corrosivas como as de Santiago Carrillo, os eurocomunistas, e o marxismo ocidental».

Académicos aventureiros e oportunistas como o alemão mexicano Hans Dieterich e o irlandês-mexicano John Holloway têm semeado a confusão; invocam o marxismo, mas na realidade combatem-no.

Em universidades prestigiadas da América Latina tornou-se quase uma moda fazer a apologia do chamado «socialismo do século XXI» para atacar o marxismo-leninismo definido como uma «ideologia estatal soviética» que qualificam de obsoleta. Subestimar os efeitos dessas campanhas é um erro. Estabelecem a confusão em meios progressistas. Sobretudo na Venezuela; mas até em Cuba fazem estragos.

As políticas que subalternizam a luta pelo socialismo - encarando-a como tarefa posterior e remota, como fizeram Bernstein e Kautsky - atribuem na prática prioridade às reformas no quadro institucional, admitindo que se pode chegar ao governo pela via eleitoral. São políticas capituladoras. Marinos não exagera ao afirmar que essa atitude «degrada o próprio objetivo estratégico, o objetivo que determina as táticas, a postura dos Partidos comunistas como um todo, o seu trabalho no movimento laboral e popular, a sua política de alianças».

O oportunismo manifesta-se, não esqueçamos, de maneiras diferentes, surgindo por vezes com máscara socialista.

Consciente dessa realidade, Pavel Blanco Cabrera e Hector Colío , na sua demolidora crítica ao oportunismo e ao revisionismo, alertam para a confusão que resulta do conceito do chamado «socialismo de mercado chinês».

A tese foi formulada por Deng Xiao Ping mas, muito antes, Mao Tse Tung, num quadro diferente, defendeu a viabilidade de alianças de partidos comunistas com um sector da burguesia nacional supostamente patriótico cujos interesses não coincidem com os do imperialismo. O resultado dessas alianças tem sido desastroso, mas a tese continua a ser uma fonte de ilusões. Alguns povos pagaram já um alto preço por esse tipo de alianças.

Identifico-me com Pavel Blanco e Hector Colío quando escrevem: «Nessa política de alianças, o papel da classe operaria e dos partidos comunistas que nela participam é subordinado; é um problema arriscado porque a independência de classe e o partido deixam de ser as tarefas prioritárias, o dever indeclinável; deixam de ser organizações militantes e transformaram-se em agrupações de filiados para as quais o socialismo passa a ser uma aspiração. Ao definir-se uma etapa intermédia de larga duração são empurradas para a colaboração de classes, os pactos sociais e um parlamentarismo funcional ao progressismo que é uma forma de gestão do capitalismo».

Enunciam uma evidência ao salientar que a denúncia firme do oportunismo, inseparável do revisionismo, é uma exigência premente na luta dos partidos comunistas revolucionários.

Já Lénine dizia que «a luta contra o imperialismo é uma frase vazia e falsa se não estiver indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo».

Mas se o reformismo, tolerado ou erigido em opção estratégica, deve ser condenado qualquer que seja a sua modalidade porque não representa uma ameaça para o capitalismo, e lhe garante pelo contrário - por ser inofensivo - a sobrevivência - que fazer, então? Como inverter a atual correlação de forças favorável ao imperialismo? Qual a alternativa ao sistema de poder imposto à Humanidade?

Esboçar sequer uma tentativa de resposta a essas perguntas não é o objetivo deste despretensioso comentário ao número da Revista Comunista Internacional dedicado à denúncia do fenómeno do oportunismo que ameaça a nível mundial os partidos comunistas.

Como comunista sei que o capitalismo, condenado, não está em vésperas de ser erradicado. Não viverei esse dia. Mas é minha inabalável convicção que a alternativa ao monstruoso sistema de exploração do homem pelo homem será o socialismo.

Não está iminente esse grande acontecimento. Nem definidos os seus contornos na fidelidade aos ensinamentos de Marx e Lenin, assimiladas as lições de muitos e graves erros (e desvios) cometidos no quadro das experiências socialistas ensaiadas pela humanidade.

Mas é falso, perverso e desmobilizador o discurso da burguesia sobre a inexistência de alternativas ao capitalismo. A social-democracia, farisaica, pretende que o capitalismo é humanizável e conta com a cumplicidade do oportunismo de múltiplos matizes.

Mentem. Pela sua essência e objetivos, o capitalismo é incompatível com as aspirações do homem. Terá de ser destruído.

Acredito que será a convergência de múltiplas lutas de muitos povos, que contribuirá decisivamente para o fim do capitalismo, abrindo as alamedas de um futuro socialista à Humanidade.

A estrada que conduz ao comunismo é longa e dificílima de percorrer, batalhando. A meta a atingir, enquanto existiu a União Soviética, parecia próxima. Ilusão. Sabemos hoje que está longe e o caminho a percorrer semeado de obstáculos de difícil superação. O discurso retorico não ajuda.


Vila Nova de Gaia, 24 de Novembro de 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Viva a Revolução Socialista

A Revolução russa de 1917 confirmou a tese de Marx e Engels, baseada na análise científica da sociedade e da história, de que o capitalismo não é eterno. Sob o influxo de contradições antagônicas, num dado momento a evolução econômica e política da sociedade apresenta inevitavelmente questões agudas e têm lugar situações revolucionárias, as quais, num quadro de amadurecimento das condições subjetivas, resultam na vitória da revolução.

Foi a confirmação da opinião de Lenine, de que, com a passagem do capitalismo à etapa imperialista, abria-se a época da revolução socialista, devido ao amadurecimento das contradições objetivas: entre o proletariado e a burguesia, entre o imperialismo e os povos e nações oprimidos, além das contradições entre as potências imperialistas pelo domínio do mundo.

A Revolução Socialista de 1917 mudou a face do mundo. Foi extraordinária a sua influência política e ideológica. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi a força principal na vitória sobre a maior e mais agressiva potência militar da burguesia imperialista – a Alemanha hitlerista. A vitória do socialismo estimulou as lutas dos trabalhadores no mundo capitalista, obrigou a burguesia a fazer concessões ao movimento sindical e operário. O século 20 foi fortemente marcado pelo socialismo vitorioso na União Soviética e sob a influência desta foi transformado no século das revoluções anti-imperialistas, democráticas, populares e socialistas. O século das lutas pela libertação nacional e social dos povos, das lutas anticoloniais, democráticas, pela paz e a justiça, objetivos estes que se confundem com os grandes valores e ideais da Grande Revolução Socialista de Outubro.

A principal lição que ficou de 1917 foi a de que somente a revolução pode abrir caminho à conquista da libertação, das transformações sociais e políticas progressistas. A revolução dirigida por Lênin sepultou a colaboração de classes como estratégia do movimento operário e popular.

Atualmente, os povos estão confrontados por uma brutal ofensiva do imperialismo, sobretudo o estadunidense, para impor sua dominação através do militarismo e da guerra. Nesse quadro, tornou-se uma noção corrente que o socialismo e a revolução sofreram um golpe fatal e doravante já não há chance para a luta revolucionária. Com isso ressurgem as propostas de adaptação do movimento revolucionário à ordem estabelecida.

Os comunistas, contrariamente a esse senso comum, consideram que a luta pelo socialismo continua na ordem do dia, porque corresponde a uma necessidade objetiva da evolução da sociedade. E não nos iludimos quanto à possibilidade de esse salto histórico se processar espontaneamente ou por dádiva das classes dominantes. As forças que lutam pelo socialismo têm em conta as novas condições históricas, que a revolução não será fruto de aventuras nem o socialismo pode ser construído abruptamente. O exame atento da história e da realidade contemporânea mostra que o caminho revolucionário comporta muitas etapas e a construção do socialismo será obra de muitas gerações. É preciso também ter em conta que não há modelo para a luta revolucionária e a construção do socialismo. A adoção do modelo único foi um grave erro, uma posição anticientífica.

O socialismo é universal enquanto teoria geral e aspiração de libertação da classe operária em todo o mundo. É universal enquanto transformação de uma época de opressão numa era em que a humanidade será livre e realizará suas aspirações de justiça e progresso. Mas o socialismo será resultado de uma luta multifacética de cada povo, em circunstâncias históricas e políticas bem delimitadas, o que exigirá das forças revolucionárias e do Partido Comunista de cada país a elaboração de novos e originais programas e formulações estratégicas e táticas.

A passagem de mais um aniversário do maior acontecimento da história da humanidade enseja à atual geração de lutadores pelo socialismo reflexões de sentido prático. Não está ainda plenamente configurada a correlação de forças que levará a humanidade a um novo ciclo revolucionário. Mas tampouco essa correlação de forças forma-se por geração espontânea, cabendo às forças revolucionárias adotar linhas estratégicas, procedimentos táticos e métodos de ação consoantes à necessidade de abordar, nas novas condições, a luta pelo socialismo.

Diante do capitalismo-imperialismo mundializado, da sua profunda e inarredável crise estrutural e sistêmica, atualmente em fase aguda, das políticas neoliberais, das políticas de guerra, da natureza reacionária do sistema político e econômico burguês, ganha relevo a questão: encontra-se na ordem do dia a tarefa de lutar por melhorias no capitalismo, de combater as “deformações” da globalização, ou de elaborar estratégias, táticas e métodos revolucionários que conduzam os trabalhadores em todo o mundo à luta pelo socialismo como único caminho para superar os impasses em que a humanidade está confrontada sob o atual sistema? O grande paradoxo da presente época é que o capitalismo atingiu um nível tal de desenvolvimento, um tamanho grau de expansão, que alcança todos os rincões do planeta, um grau antes inimaginável de desenvolvimento de suas capacidades, mantendo sua essência de perseguir o lucro máximo, o que obtém através da exploração e opressão das massas trabalhadoras e da espoliação das nações dependentes. O capitalismo dos nossos dias beneficia apenas as grandes burguesias parasitárias dos países imperialistas e suas dependências. É, assim, inevitável a eclosão de lutas, em que os fatores de classe se entrelaçam com os nacionais. É nesse contexto que ressurge em nossos dias a luta pelo socialismo.

Nesse quadro, apresenta-se perante os comunistas e demais correntes da esquerda revolucionária consequente a questão de construir um sujeito político capaz de unir, mobilizar e organizar o povo em suas dimensões estratégica e tática.