sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O capitalismo num beco sem saída Uma visão marxista da actual crise



Manuel Raposo
21.Dez.12 :: Outros autores
Publicamos uma recensão do mais recente livro de Fred Goldstein, colaborador assíduo de odiario.info. Toda a análise marxista é hoje necessária não apenas para compreender o desenvolvimento da crise geral do capitalismo actualmente em curso, mas também para formular as perspectivas de uma saída anticapitalista para este quadro. E ainda mais quando a reflexão de Goldstein incide em particular sobre a principal potência, os EUA.

O Capitalismo num Beco Sem Saída (*) é o expressivo título de um livro publicado este ano nos EUA que analisa a presente crise do capitalismo mundial de um ponto de vista marxista. Centrado sobretudo na situação dos EUA, o livro mostra o significado da destruição de emprego e da sobreprodução numa era de alta tecnologia e grande produtividade do trabalho. Uma obra que, a partir da actualidade, aborda não apenas os aspectos económicos da crise mas também os movimentos sociais e políticos que ela está a gerar.
O autor, o norte-americano Fred Goldstein, colabora no jornal Workers World e publicou em 2008 uma outra obra, Capitalismo de Baixos Salários (**), em que aponta os efeitos do novo imperialismo globalizado e de alta tecnologia na luta de classes nos EUA.
A exposição de O Capitalismo num Beco Sem Saída, ao qual se dedica esta recensão, assenta em três ou quatro dados decisivos para entender a actual crise, mas muito pouco falados pelas correntes de opinião dominantes. São eles, a nosso ver, os seguintes:
- Esta crise é de longa duração, estamos ainda nos seus primeiros estágios, e, pela sua natureza, não se compara aos normais altos e baixos da actividade económica.
- Na sua raiz está uma quebra na taxa de acumulação do capital, o que faz dos aspectos financeiros uma decorrência e não uma causa dos problemas presentes.
- A crise estalou depois de décadas de grande progresso tecnológico, de aumento da produtividade do trabalho e da concorrência, o que desmente a ideia espalhada de falta de produção e de competitividade, e mostra, pelo contrário, que o sistema rompe pelas costuras em resultado da sua própria capacidade de produzir em larga escala.
- Nos casos em que se pode falar de alguma retoma económica após o colapso de 2008 (como nos EUA), essa retoma faz-se sem recuperação do emprego entretanto destruído em números sem precedentes.
Daí, todo o sistema capitalista se encontrar num beco sem saída. Ou, como diz o autor, “O capitalismo chegou a um ponto em que nada de natureza económica, só por si, poderá fazer o sistema avançar e crescer mais”.
A partir destas constatações, e fazendo comparações com as grandes crises mundiais de 1873-96 e de 1929-39 – das quais o capitalismo saiu sob o impulso da guerra (guerra americana-espanhola de 1898, guerras mundiais de 1914-18 e de 1939-45), enveredando pela expansão imperialista – a resposta do capitalismo mundial à sua crise de hoje aponta igualmente para a “destruição maciça de meios de produção e de infraestruturas”.
Com os cataclismos verificados desde 2008, o panorama da luta de classes também se altera. A tendência para lucrar a taxas cada vez menores, a incapacidade de recuperar, mesmo parcialmente, os níveis de emprego – traduzem-se numa quebra generalizada dos salários (um “capitalismo de baixos salários”). E, portanto, no dizer de Fred Goldstein, “A era das concessões deu lugar à época das devoluções” – como é bem patente, dizemos nós, do lado de cá do Atlântico, não apenas na redução dos salários como nos cortes dos apoios sociais, na crescente insegurança do emprego, no ataque aos direitos laborais e sindicais. Tudo aquilo, enfim, que na Europa do pós-guerra e no Portugal pós 25 de Abril era apresentado como um “ganho civilizacional”, supostamente irreversível.
Esta crise mostra ainda ser diferente, sublinha Goldstein, por outra razão. “Todos os métodos tradicionais pelos quais o sistema foi estimulado [em situações anteriores] estão as ser aplicados, mas já não funcionam”. A prova está nos biliões de dólares (e de euros) injectados sobretudo no sistema financeiro com o único efeito de arrastar a crise, mas sem sinais de uma retoma económica.
Mais: o facto de os negócios nos EUA marcharem a passo de caracol e de a Europa e o Japão estarem à beira do declínio, faz aumentar, mesmo nos bastidores do poder, o temor de um novo retrocesso económico global.
Ora, uma crise de extensão mundial, que não se resume a uma quebra cíclica dos negócios nem tem à vista nenhuma verdadeira recuperação, assume então, parece-nos, um sentido histórico de fim de época.
Na verdade, afirma o autor, “O sistema do lucro entra num estádio no qual só consegue arrastar para trás a humanidade”. Então, “As massas da população hão-de chegar a um ponto em que não poderão continuar a seguir o mesmo caminho porque o capitalismo lhes bloqueia todas as vias de sobrevivência”. E, chegada a este ponto, “a humanidade só pode avançar limpando a estrada da sobrevivência, o que significa nada menos do que destruir o próprio capitalismo”.
As teses do livro de Fred Goldstein, conduzem-nos, com efeito, a uma questão a que os marxistas e o movimento comunista terão de prestar a maior atenção: com esta crise encerrou-se a época de expansão do capitalismo iniciada após a segunda grande guerra; e, consequentemente, estão a criar-se as condições para um novo ciclo de revoluções sociais à escala mundial.
Devem, portanto, em nossa opinião, ser lidas como sendo da maior actualidade as palavras de Karl Marx no balanço que fez à crise económica de 1847. Reflectindo sobre a recuperação do capitalismo nos anos de 1848 e 1849, uma vez vencidas as revoluções verificadas na Europa em 1848, dizia ele:
“Nesta prosperidade geral, em que as forças produtivas da sociedade burguesa se desenvolvem com toda a exuberância de que são capazes no quadro das relações burguesas, não se pode dar nenhuma verdadeira revolução. Uma tal revolução só é possível em períodos em que estes dois factores, as forças de produção modernas e as formas de produção burguesas, entram em conflito.”
E conclui Marx: “Uma nova revolução só será possível na sequência de uma nova crise. Mas aquela é tão certa como esta.”
Não é a crise que estamos a viver, afinal, a evidência do conflito entre as forças de produção modernas e as formas de produção burguesas?

(*) Capitalism at a dead end – Job destruction, overproduction and crisis in the high tech era. A marxist view. Fred Goldstein. World View Fórum, New York, 2012.
(**)Low-wage capitalism: colossus with feet of clay – what the new globalized, high-tech imperialism means for the class struggle in the US. Fred Goldstein. World View Fórum, New York, 2008.
O livro está no www.lowwagecapitalism.com/ em Inglês e está no www.rosa-blindada.info/b2-img/Capitalismo.pdf em espanhol.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os Deputados não são todos iguais




Nos últimos tempos têm havido da parte de vários sectores da sociedade portuguesa, nomeadamente alguns órgãos de comunicação social, em fazer crer ao Povo Português, que todos os Deputados da Assembleia da República são iguais.
Isto tem um propósito claro, tentar afastar o nosso povo, dos partidos de Esquerda, nomeadamente do Bloco e do Partido Comunista.
Nas ultimas manifestações têm tentado converter centenas de milhares em milhões, e por outro lado centenas de milhares em dezenas, conforme os organizadores são a CGTP ou os Indignados, para mim uma coisa é clara têm sido muitos milhares de Portugueses, aqueles que têm estado na rua a pedir a demissão deste governo Reaccionário e anti popular.
Toda esta cambada sabe, até melhor do que eu, que só a luta organizada das massas pode derrubar este governo, não serão os indignados por muitos milhares que sejam que o vão conseguir, a luta têm que ter uma vanguarda organizada, porque se assim não for podemos cair no erro de criar uma anarquia, que historicamente não nos levará a lado nenhum.
Estas linhas a propósito da manifestação de ontem contra o orçamento de Estado, nem as próprias televisões esconderam, depois da votação, (e votaram contra o OE), lá estavam os Deputados do PCP, junto com o seu Povo.
Nem todos os Deputados são farinha do mesmo saco.

domingo, 28 de outubro de 2012


OS QUE LUTAM



Encontrei em Bertold Brecht a melhor homenagem ao Joaquim Fino.
Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; 
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; 
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; 
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Outubro ou nada





“Marchemos para frente, tiremos nossa poesia do futuro, basta de anacronias e cópias do passado, mas não nos esqueçamos nunca que tivemos um Outubro, e foi nosso, e foi um grande Outubro vermelho e proletário, e foi tão grande que foi planetário, e foi tão generoso e fraterno que nele se irmanaram todos os trabalhadores do mundo e chegaram a acreditar que tudo podia mudar e, por um momento, mudaram tudo que podiam.”

Como nos dizia Marx para que se forje uma classe revolucionária é necessário que se manifeste uma classe que se apresente como um entrave de caráter universal, ao mesmo tempo em que outra consiga expressar através de sua particularidade os contornos de uma emancipação universal. Falando da Alemanha, Marx afirmava que faltava: “grandeza de alma, que, por um momento apenas, os identificaria com a alma popular, a genialidade que instiga a força material ao poder político, a audácia revolucionária que arremessa ao adversário a frase provocadora: Nada sou e serei tudo.” (Marx, K. Crítica à filosofia do Direito de Hegel. São Paulo, Boitempo: 2005: 154).
Paz, terra, pão e sonhos voavam pelo mundo que o capital havia tornado um só e mãos calejadas, duras como a terra que trabalham, os seguram e se alimentam da esperança dos que se levantaram contra seus opressores. Corpos exauridos pela chacina diária das fábricas caminham pelas ruas e olham em frente, levantam seus punhos e cantam a canção que os unia: se nada somos em tal mundo, sejamos tudo, ó produtores!
Em tempos como os nossos, de hipocrisia deliberada, em tempos de humanidade desumanizada, de cotidianidade reificada, a consciência da possibilidade da vitória se reverte em seu contrário e se manifesta novamente como uma consciência da impossibilidade da mudança. Brecht nos alerta: nada deve parecer natural, porque nada deve parecer impossível de mudar e completa em outro poema: até quando o mundo será governado por tiranos? Até quando iremos suportá-los?
Presos à nova serialidade, fragmentados e divididos, submetidos às novas cadeias de impossibilidades, escolhendo a cada quatro anos quem irá comandar sua exploração, nossa classe nem se lembra que teve um outubro e que fizemos a terra tremer e que os poderosos perderam o sono diante da iminência de seu juízo final.
Diante da realidade do capital internacional que ameaça a humanidade, diante da barbárie diária que ameaça minha classe, gestam-se novas impossibilidades de manter os limites do possível, crises didáticas transformam em pó certezas neo e pós liberais arcaicos/modernos e suas irracionalidades racionais. O pólo da negatividade humana se reapresenta arrogante e prepotente. Muitos são os que se levantam ainda sem rumo, não importa, que se levantem e gritem, resistam e lutem. Mas, em sua marcha olhando para o futuro, resistindo contra as mazelas do presente desumano do capital, olhem por um momento para trás, vejam como já marchavam à nossa frente nossos camaradas russos, vejam como iam decididos e corajosos abrindo caminho em direção ao amanhã.
Marchemos para frente, tiremos nossa poesia do futuro, basta de anacronias e cópias do passado, mas não nos esqueçamos nunca que tivemos um Outubro, e foi nosso, e foi um grande Outubro vermelho e proletário, e foi tão grande que foi planetário, e foi tão generoso e fraterno que nele se irmanaram todos os trabalhadores do mundo e chegaram a acreditar que tudo podia mudar e, por um momento, mudaram tudo que podiam.
Viva a revolução Soviética de 1917. Outubro… ou nada!
Mauro Luis Iasi*


Uma família de nobres voltava a São Petersburgo com seus inúmeros filhos e malas volumosas. Havia se retirado em fevereiro para fugir dos acontecimentos trágicos que haviam derrubado o Czar e não havia acompanhado o desenvolvimento político que levara os trabalhadores ao poder em outubro. Pateticamente parada na plataforma e acostumada com um servilhismo milenar, esperava que algum carregador implorasse para levar as bagagens da família em troca de alguns míseros copeques.
Depois de esperar em vão por um bom tempo, um criado (nobres não se dignavam a falar com pobres) vai buscar informações e ouve a seguinte resposta: “agora somos livres, se quiser carregue suas malas”!
Era a grande revolução de Outubro que emergia lá de onde costuma vir as coisas dos explorados, da periferia, das sombras esquecidas sob a ofuscante aparência de riqueza das sociedades opulentas, dos cantos obscuros que o olhar hipócrita quer esquecer ou incorpora como normal. Em meio à tragédia da guerra, a barbárie em sua forma mais didática, a vida resistia e se levantava contra a fome e a morte.
A Revolução Russa marcou de forma definitiva a história do século XX em muitas áreas (ver a coletânea organizada por Milton Pinheiro – Outubro e as experiências socialistas do século XX - Salvador: Quarteto, 2010), como acontecimento político, como experiência histórica de um Estado Proletário, como base de transformações econômicas fundadas na socialização dos meios de produção, nas práticas do planejamento, como influência política direta nos rumos do movimento comunista internacional e a formação de estratégias e táticas do movimento revolucionário mundial.
Não podemos esquecer sua importância no desenvolvimento da cultura (é só pensar em Vladimir Maiakoviski na poesia e Sergei Eisenstein para o cinema), o ulterior desenvolvimento da música (Prokofiev, Stravinski) e dança, das ciências (Luria, Vigotski, Bakthin, e tantos outros), o desenvolvimento técnico e científico (Sakharov, Andréi Kolmogórov, etc.). No entanto, quisera me deter numa outra dimensão.
Certos acontecimentos históricos despertam algo um pouco mais intangível que suas manifestações econômicas, políticas, culturais e técnico-científicas. A revolução russa se espalhou pelo mundo, sem internet e televisão, numa velocidade que precisa ser compreendida. Não apenas se expandiu enquanto processo revolucionário que em menos de seis meses havia saído da Europa oriental e chegado ao mar do Japão, se alastrado como fogo em palha pelo antigo império czarista, como atravessou o oceano e incendiou o coração e as esperanças dos trabalhadores das partes mais distantes do globo.
Em uma foto de grevistas em um porto nos EUA na mesma época pode se ver ao fundo uma faixa na qual se lê: “façamos como nossos irmãos russos”. No Brasil as greves operárias se alastravam até a greve geral de 1917 e a Revolução russa foi saudada pelo movimento anarco-sindicalista como expressão da revolução libertária enquanto emissários eram mandados para lá para colher informações e prestar solidariedade. Poucos anos depois, nos anos vinte, quando o caráter marxista da experiência soviética se torna evidente, distanciando-se, portanto, dos princípios anarquistas, forma-se um movimento comunista que não tem paralelo com nenhum outro por sua escala mundial, sua forma de organização e sua ação.
Partidos Comunistas são formados em toda a América Latina, assim como em quase todos os mais distantes rincões do planeta, dos EUA até a China. Evidente que a formação da União Soviética e da III Internacional Comunista explicam a iniciativa e mais, a necessidade, de uma organização internacional, mas não sua aceitação e rápido desenvolvimento. Há elementos objetivos e subjetivos que precisam ser levados em conta.
Os objetivos são por demais conhecidos e podem ser resumidos na própria internacionalização do modo de produção capitalista e sua transformação em imperialismo, mas não podemos compreender a dimensão desse fenômeno sem entender que a revolução soviética foi um evento catalisador de esperanças de todos os explorados.
Não se trata de nenhum deslize idealista, mas de exata combinação de fatores que dada certas condições materiais, que sem dúvida a guerra mundial propiciava, cria uma equação na qual uma classe encontra as condições de sua fusão enquanto classe. Imersa na cotidianidade reificadora, submetida às condições da exploração os trabalhadores vivem seu destino como uma condição inescapável. Ainda que submetidos as mesmas condições que seus companheiros, não vivem estas condições como base para uma consciência e ação comuns, mas como uma serialidade, nos termos de Sartre. A vida é assim e é impossível mudá-la.
Em certas condições, no entanto, se produz uma situação na qual a realidade se impõe de tal forma que se torna impossível manter a impossibilidade de mudá-la, nas palavras de Sartre: “A transformação tem, pois, lugar quando a impossibilidade é ela mesma impossível, ou se preferirem, quando um acontecimento sintético revela a impossibilidade de mudar como impossibilidade de viver” (Sartre, J. Crítica de la razón dialéctica. Buenos Aires: Losada, 1979, v. 2, p.14). O pensador francês tem em mente os acontecimentos da crise da monarquia absolta que levou a eclosão da Revolução Francesa, mas vemos claramente esses elementos na crise do czarismo nas condições da guerra.
Interessa-nos, no entanto, outra dimensão desse fenômeno. Da mesma forma que um acontecimento sintético pode levar à fusão da classe e a superação de sua situação de serialidade, encontrando na ação do grupo as condições para abrir a possibilidade de superar o campo prático inerte, devemos supor que uma ação particular da magnitude de um processo revolucionário como o russo, provoca um efeito sobre os trabalhadores, mesmo aqueles que não estavam envolvidos direta e presencialmente nos acontecimentos.
Ernesto Che Guevara denominava isso de “consciência da possibilidade da vitória” e inclui entre as condições objetivas que torna possível uma revolução. Quando os trabalhadores vêem os revolucionários russos varrerem seus tiranos, quebra-se a impressão de naturalização e inevitabilidade com as quais revestiam suas condições de existência. É possível mudar, nada somos, mas podemos ser tudo.
Em um belo poema soviético é descrita a cena na qual uma camponesa que agora tinha acesso aos museus e suas obras de arte se detêm diante de um quadro a admirá-lo. A autora do poema então conclui: “mal sabia que ali era uma obra de arte a admirar outra”. Operários assumem as fábricas, as terras são entregues aos comitês agrários para serem repartidas. Soldados, operários, camponeses, marinheiros, lotam os teatros antes privativos da nobreza russa, para ouvir Maiakóviski recitar os poemas que retira dos bolsos de seu enorme casaco e de seu coração ainda maior.
Suspendemos por um instante as enormes dificuldades que viriam, a guerra civil, o isolamento, a burocratização e a degeneração que culminaria no desfecho histórico de 1989. Naquele momento de maravilhoso caos, a vida fluía não como processo que aprisiona os seres humanos nas cadeias do estranhamento, mas como livre fluir de uma práxis transformadora. Tudo pode ser mudado. Podemos criar as crianças de uma nova forma, e já vemos Makarenko e seu enorme coração abrigando os órfãos da guerra e reinventando a pedagogia, trabalhadores organizando as comissões de fábrica e Alexandra Kollontai olhando o mundo com os olhos de mulheres emancipadas.
Enquanto o mundo capitalista preparava-se para esmagar a experiência revolucionária russa (a república dos trabalhadores seria atacada em 1918 por dez potências estrangeiras), o generoso coração da classe trabalhadora acolhe esta experiência como sua e a defende, sem conhecê-la profundamente, sem que a compreenda de todo, mas por que nela se reconhece.

*Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

domingo, 21 de outubro de 2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Eles têm medo



A história não se repete, como se sabe, mas imita muito bem. Num curto espaço de tempo, enquanto o País reagia com estupor e indignação à proposta de Orçamento do Estado para 2013, um professor que não é de Coimbra mas que acredita estar destinado a salvar as finanças nacionais, um cardeal que não é cerejeira mas é da mesma cepa, e um empresário que é muito democrata mas nunca se deu mal com o fascismo, vieram dizer ao «bom povo português» – numa linguagem e evocando «valores» semelhantes quanto baste aos cultivados durante quase meio século pela ditadura fascista – que tem de engolir até à última gota a taça de cicuta prescrita pelas altas instâncias para lhe tratar da saúde.A mensagem, transmitida com nuances, teve ainda uma outra característica: desenterrou o anti-comunismo primário e voltou a agitá-lo como um papão.O primeiro a fazê-lo foi o primeiro-ministro, que após uma mal sucedida incursão pelas «conversas em família» de triste memória optou pela tribuna do Parlamento para tentar convencer os portugueses da excelência da sua governação. Foi aí, manifestamente incomodado por o que se diz sem rebuço nas ruas ecoar também nas vetustas paredes da Assembleia, que Passos Coelho acusou o PCP de instigar à violência ao classificar de roubo o que de facto é um roubo.Já o ministro das Finanças, com o tom melífluo que o caracteriza, deixou clara a sua «compreensão» para com alguns protestos mas não todos, evidentemente. Sair à rua a convite de redes sociais e gritar ordeiramente uns impropérios para aliviar a bílis até ajuda a diminuir a pressão, mas fazê-lo em resposta ao apelo dos sindicatos já é outra conversa. Até Gaspar sabe, lá do seu gabinete, que é a luta organizada dos trabalhadores e do povo que corrói os alicerces do poder do capital.Pela mesma bitola, mas ainda mais curta, se regula D. Policarpo, para quem manifestações e até revoluções – abrenúncio! – nada resolvem. Para o Cardeal Patriarca de Lisboa, os fiéis devem sofrer em silêncio, resignadamente, deixando o Governo governar, que isso sim é que é democracia. Donde se infere que quem assim não procede não é democrata nem bom português. Resta aos crentes, presume-se, rezar e mastigar a bíblia devagarinho para matar a fome.Mais terra a terra, Fancisco Van Zeller, o ex-patrão da CIP que preside à comissão (independente?!) de acompanhamento da privatização dos Estaleiros de Viana do Castelo, acha muito bem que o povo se manifeste aos fins-de-semana – até pareceria «mal» se o não fizesse – mas lá fazer greves e estar sindicalizado é que não. Aliás, diz, o grande problema que o novo dono dos estaleiros terá de resolver é acabar com a mão-de-obra «antiga e desactualizada» e com o «sindicato comunista que está enquistado e que é muito violento». Na cartilha Van Zeller, à «violência» que é defender os direitos dos trabalhadores responda-se com a polícia de choque.Moral desta história: os comunistas de hoje já não comem criancinhas ao pequeno almoço nem matam os velhos com uma injecção atrás da orelha, como no tempo do fascismo, mas tal como no tempo do fascismo metem medo, muito medo ao capital. Por que será?

 Anabela Fino 


terça-feira, 1 de maio de 2012

sábado, 3 de março de 2012

domingo, 8 de janeiro de 2012

Marinha Grande, terra de trabalho e de luta




Quando no ano de 1747, o cidadão Irlandês John Beare, transferiu de Coina (Barreiro) para a

Marinha Grande, a Real Fábrica de Vidros, certamente nunca lhe passou pela cabeça, que iria

Contribuir, para a criação de um dos maiores bastiões das lutas operárias em Portugal.
A Marinha Grande é uma cidade, que foi primeiro de lenhadores, depois de vidreiros. Ao contrário de outras cidades e vilas de Portugal, que nasceram e cresceram à volta de uma igreja ou castelo, a Marinha Grande cresceu e desenvolveu-se em redor de uma fábrica de vidros.
Foi com Guilherme Stephens, que adquiriu a empresa em 1769, que começou o desenvolvimento do vidro na Marinha Grande, embora o seu apogeu se tivesse dado nos finais do século XIX princípios do século XX.
Em 1920, estavam em laboração na Marinha Grande, dez fábricas de vidro, quatro em construção e uma projectada.
Hoje a realidade é bem diferente
Para se poder analisar os números da crise que têm atingido o sector vidreiro, no subsector da cristalaria, apresento de seguida alguns dados para reflexão.
Nas décadas de 70 e 80, trabalhavam no sector cerca de 4000 trabalhadores. Só a Ivima, antes da crise de 1985/1986, tinha 1400 empregados.
Entre 1992 e 2006 encerraram 14 empresas de produção de vidro, entre elas a M.P.Roldão, empresa emblemática das lutas operárias e a Marividros, empresa onde trabalhei 18 anos. Foram cerca de 2160 postos de trabalho que se perderam, são inúmeros os casos em que esta situação atingiu famílias inteiras.
 A própria Real Fábrica de Vidros, que a partir de 1954, tinha mudado o seu nome para F.E.I.S. foi encerrada por decisão do Conselho de Ministros em 15 de Maio de 1992. Era então Primeiro-ministro, o actual Presidente da Republica, Aníbal Cavaco Silva.
A Marinha Grande, jamais lhe irá perdoar! …
Com o encerramento da Fábrica Escola Irmãos Stephens, a Marinha Grande ficou órfão de pai e mãe. Este sentimento não é só meu, é o sentimento de milhares de Marinhenses, ou dos que não sendo Marinhenses, grupo onde eu próprio me incluo, foram adoptados por esta maravilhosa terra.
Sou um filho adoptivo desta terra, mas tenho um enorme orgulho pela sua história, pelo seu passado e presente de luta.
 Deixo também algumas partes do discurso, que o Camarada Álvaro Cunhal , proferiu no dia 18 de Janeiro de 1975 na Marinha Grande.
          
“ Fiéis ao legado dos operários vidreiros que em 18 de Janeiro de 1934, pela sua acção heróica escreveram uma das mais importantes páginas da luta dos trabalhadores portugueses contra o fascismo, sucessivas gerações de marinhenses deram, com a sua luta perseverante, uma inestimável contribuição para que o povo português, derrubada a ditadura em 25 de Abril de 1974, pudesse finalmente viver em liberdade.
A classe operária e o povo da Marinha Grande pagaram um pesado tributo pelo seu espírito indomável, pela sua fidelidade à causa dos revolucionários do 18 de Janeiro, pelo seu apego à liberdade e ao socialismo.
«Marinha Grande é um nome escrito a ouro na história do movimento operário português. Melhor se pode dizer: escrito com lágrimas e sangue.
Porque a luta dos trabalhadores da Marinha Grande ao longo de 50 anos de fascismo foi paga com pesadas perdas, com perseguições, torturas, prisões, com o assassínio e a deportação de muitos dos seus melhores filhos, com séculos passados nas masmorras fascistas por muitos anos, com privações e sacrifícios silenciosos e anónimos das famílias dos militantes, educadas na mesma escola de elevada consciência de classe e incansável combatividade.
As tradições de luta do proletariado da Marinha Grande são inseparáveis da actividade dos comunistas. A classe forjou a sua vanguarda revolucionária – a vanguarda revolucionária (os comunistas) soube estar à altura da classe.”
(Do discurso de Álvaro Cunhal no comício do PCP, a 18 de Janeiro de 1975, na Marinha Grande, nas primeiras comemorações do 18 de Janeiro, em liberdade).